quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Tic, tac, aponta o Ceifador ;
Tic, tac, cada passo é passo de dor;
Tic, tac, o condenado é a vítima;
Tic, tac, a vítima é o algoz;
Ninguém é livre do crime que comete a si mesmo;
Não há absolvição para o próprio assassínio;
A sentença é certa, é sofrer-se, é ser-se;
Para o criminoso, existir é o suplício;

(jblg)

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Acordara, como todo dia acordara, mas não mais se reconhecera;
Ao espelho era um estranho que olhara, e nada compreendera;
Passageiro de si mesmo, espectador de um autômato;
Ao meio caminho despertara, sem saber da partida;

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Pela manhã deposito a esperança de que algo irá mudar, ou pior, de que irei mudar algo, para a tarde.
A tarde empurro a mesma esperança para o dia seguinte;
No dia seguinte carrego a esperança para o final da semana;
Ao final da semana, deixo-a para a próxima;
E na próxima, é o mês seguinte que se aproxima;
É o ano que virá, da década que desponta;
Passo, passo a passo, movendo o nada para lugar algum, até o instante derradeiro onde não haverá o seguinte;
E no instante último abraçarei o fardo para afundarmos juntos no oceano de vazio;
Busco justificar a existência com a prática de um oficio inútil.

(jblg)

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Poucos suportariam a justiça que pregam aos outros.
Quem não seria condenado quando julgado pela própria justiça?
O réu de si teria absolvição?
Somos um carrasco implorando perdão frente ao espelho;

(jblg)

terça-feira, 16 de setembro de 2014

A verdade é que tenho preguiça da verdade.
A verdade é um castelo de cartas, inútil e frágil obra humana que no primeiro vento se dissolve. Mais do que uma posse, a verdade é um ofício de condenado, um fardo. Todavia, a preguiça que sinto pela verdade só é superada por outra, a preguiça que sinto por quem acha que tem a verdade. Quem tem a verdade é um enfadonho ambulante que insiste em negociar o que não quero, e toma como vitória a venda de algo de que não preciso. (jblg)

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Cárcere
Quando a noite cai e as paixões assolam;
Quando a hora tarda e o peito oprime;
Pudera libertar minh’alma;
Que seu beijo seja a porta de entrada;
Que seu toque seja meu guia;
Que por seu perfume minh’alma seja levada;
Para que livre, na sua encontre morada;
(jblg)

quarta-feira, 30 de abril de 2014

XLVIII

Um homem resume-se as suas paixões;
E abandonar suas paixões é abandonar-se;
E abandonar-se é abandonar sua individualidade, sua personalidade;
Abrir mão de uma paixão é abrir mão de si próprio sem ser outro, é morrer para si;
Quem liberta-se, suicida-se.
E no luto que carrega de si mesmo aprende a viver;
(jblg)

sexta-feira, 25 de abril de 2014

XLVII

Dezetrinta
10:30 diz o relógio;
10:30 para dizer que acordei há 3 horas porque o despertador tocou;
10:30 para dizer que em uma hora e tanto irei comer;
10:30 para dizer que parte do trabalho é findo e falta para as 18;
10:30 de sexta prelúdio do fim de semana, dizendo que nada tenho com que me preocupar;
10:30 para mostrar o que devo fazer;
10:30 para impedir de pensar;
10:30 para impedir de viver;
10:30 para a existência escoar;
10:30 para o tédio vencer;
Que de tanto dizer já são 10:31;

(jblg)

segunda-feira, 14 de abril de 2014

XLV

Quando a vida é doente, tudo vira remédio;
Sexo é remédio para stress;
Meditação é indicada em casos de depressão;
Ter amigos evita infartos;
Namorar diminui o colesterol;
Cantar, dançar, previne ansiedade;
Ter um animal aumenta anos de vida;
Vinho faz bem para o coração;
Para uma vida doente, viver tornou-se remédio;

(JBLG)

terça-feira, 1 de abril de 2014

XLIV

Infelizmente, ou quem sabe nem isso, vim ao mundo desprovido de coisas que tornam a vida um pouco mais tolerável.

Vim ao mundo sem crer em nenhuma grande causa, nunca fui acometido por nenhum grande ideal, nenhuma fé arrebatadora, nenhuma comoção maior.

Tampouco cai em qualquer armadilha que meu ego poderia ter criado, até meu ego é um incompetente. Não cai em ardil, não tenho ilusões de que partirá de mim qualquer grande ação, qualquer grande feito ou qualquer grande ideia que fará alguma diferença no mundo. Até porque, não acredito em grandes ações, nem em grandes ideias, nem em diferença no mundo.

A história salva alguns, por ser incompetente para condenar a todos. Os grandes feitos, os heróis, os vilões, são meros acasos. As coisas simplesmente se dão, pois não poderiam ser de outra forma, e acreditar em algo diferente é tolice, como tudo é.

Vim sem nenhuma boa desculpa que justifique eu ser eu mesmo. Não tenho argumentos, subterfúgios, nem ninguém para colocar a culpa de eu ser o que sou. Minha defesa é nula, sou réu confesso e minha sentença é simplesmente ser-me.

Sou apenas um espectador, e dos piores, dos enfadonhos, sem opinião sobre o espetáculo, só vim até aqui porque o ingresso era gratuito e estava entediado.

(jblg)

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

XXXVIII
Busco, como faminto revirando o lixo, um pouco de vida em cada gesto, cada ação;
Neste ofício, neste réquiem, o tempo passa sem nada deixar;
Não que me considere digno de algo, pouco ou nada fiz ao mundo para desejar algo dele;
O que incomoda é o abismo de vazio a frente;
Com um tropeço caio inevitavelmente, fatalmente, e me espanto com a queda sem fim;
Mergulho, desabar eterno sem chegar a canto algum, sem nada encontrar;
Nem céu, nem chão, somente a própria delusão;
Só que faço é esperar,

(jblg)
XXXVI
Existem coisas difíceis de dizer, quiçá de escrever;
Pegar da caneta e transpor paixão no papel é difícil matéria;
Mas vamos lá, que ao menos nos resta tentar;
Pegar da caneta e lembrar;
Lembrar dos olhares imersos em versos, em vinho;
A expressão de entrega e pavor, torpor, quando nos aproximávamos;
Lembrar dos teus lábios, nossos lábios, unos, tocando-se enquanto fechávamos os olhos;
Lembrar da tua respiração pesada, teus seios arfando em paixão;
Dos beijos no teu pescoço, enquanto lentamente soltava teus cabelos;
Da alça solta do teu vestido, enquanto te puxavas para mim;
Do sabor dos teus seios, tão belos, tão macios;
Da lentidão do tecido caindo, de cada parte do teu corpo;
Do toque molhado do teu sexo, enquanto tuas rendas eu tirava;
Do sentir tua boca em meu sexo, do seu olhar, do seu sabor mais indiscreto;
Ouvir teus gemidos enquanto em garras atentavas minhas costas;
Lembro, lembro de tudo isso, além de lembrar como era o gozo contigo alcançar;

XXXVII
Tenho em minha boca seu sabor mais indiscreto;
Por suas vias proibidas eu vago intrépido;
Seus mares, seus vales, os atravesso;
Em seus caminhos tortuosos, desconexos, desonestos, estou imerso;
Quer com suas unhas minhas asas libertar;
Com um rasgo, a rebentar, a si me puxa;
Como nevoeiro que me cega, seu colo inunda;
Minha mente, minha paz, a tudo turva;
Sou enxurrada que preenche cada parte;
Tomo a obscuridade, somos ilusão de liberdade;
Amantes vis, hereges, aos prazeres entregues;
Da paixão escravos, atados ao destino cármico;
Para ao fim de tudo nos afogarmos em gozo eterno;

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

XXXIV
Náufrago em um oceano de vazio, eis o que sou.
Agarro-me ao pequeno bote, minúscula embarcação onde tenho a minha vida. Vaso que guardo minhas experiências, conhecimentos, posses, a plenitude da minha alma cabe neste medíocre barco, nesta partícula ínfima, reles frente ao oceano infinito, nihil que me cerca.
O que percebo, melhor, o que suponho, é que todos também têm suas embarcações, também têm suas vidas em barcos. Alguns são gigantes, transatlânticos, já outros, como o meu, minúsculos onde mal podemos nos agarrar.
A diferença entre os homens, e o que os faz igual, é como cada um lida com seu próprio. A grande maioria passa a existência em função do seu próprio barco sem notar o abismo do entorno. Todavia, somos todos náufragos que julgam guiar suas naus com destino certo, o que não sabemos é que navegamos pelo nada para chegar a lugar algum.
Todos navegamos, remamos até o certo naufrágio sem nunca ter tido a oportunidade de porto, ou terra.
A vida é um lançar-se a ondas.
(jblg)
XXXV
Do poema que escrevo;
Cada palavra é pedaço da alma;
Cada verso, linha, letra colocada;
É como talho, ferida provocada;
O poema que escrevo;
É vã esperança de cura;
Como se da caneta, invés de tinta;
Corresse sangria d'alma envenenada.

(jblg)